terça-feira, 29 de novembro de 2016

The Honeymoon Killers



The Honeymoon Killers segue, em traços largos, a história verídica de Martha Beck e Ray Fernandez, conhecidos como “the Lonely Hearts Killers” devido aos crimes praticados no final da década de 1940 (supõe-se terem sido responsáveis pela morte de vinte mulheres em três anos).  
O realizador contratado para filmar a história do casal de assassinos foi um jovem Martin Scorsese, despedido após poucos dias de rodagem devido a divergências com o argumentista e o produtor, tendo, então, Leonard Kastle tomado o comando do filme (seria a sua única realização). Para a pouca ou nula experiência cinematográfica dos principais intervenientes (realizador, produtor, director de fotografia, actores), The Honeymoon Killers foi um triunfo.  
O filme mostra-nos uma América distante do glamour de Hollywood, longe das grandes cidades, onde mulheres solitárias se inscrevem em “clubes de amizade”, esperando encontrar o seu príncipe encantado. É esse o modo de vida de Ray: responder a anúncios, conhecer mulheres, encetar uma relação amorosa e despojá-las dos seus bens antes de desaparecer. É assim que conhece Martha, enfermeira num hospital, comedora compulsiva de doces para sublimar a falta de amor, mulher amarga e ríspida - note-se, nos primeiros minutos de filme, o plano em que pontapeia um brinquedo de criança e que faz, em segundos, uma caracterização poderosa da personagem.
Para Martha, o amor vem antes de tudo: da mãe, da profissão, da sociedade, nada mais é importante e nada se lhe compara. Um casal de funcionários em práticas impróprias num laboratório é severamente admoestado pela enfermeira: o hospital não é local para indecências. Contudo, é no recato do seu gabinete que Martha vai responder e guardar as cartas de Ray, razão que a levará a ser despedida - embora faça questão em afirmar, de forma categórica, que é ela, Mrs Ray Fernandez, que se despede: o seu amor não é promíscuo nem se consome fora das normas sociais.
Em oposição ao que Ray faz com as suas vítimas, Martha não voltará a libertá-lo e, com o fortalecimento da relação, ele acabará por lhe revelar o seu segredo; ela torna-se, assim, sua cúmplice – passa a ser apresentada como irmã, para dar mais credibilidade ao burlão, mas também para melhor o controlar. Apesar disso, muitas vezes Martha acaba por adoptar comportamentos maternais, mimando e protegendo Ray. Contudo, é ela que tem dentro de si o impulso da destruição, consequência de ciúmes doentios e incontroláveis. É ela que traz a morte para a história de amor, Eros e Thanatos indelevelmente unidos. O amor de Martha por Ray é violento e possessivo, as mãos do seu homem não podem tocar em mais nenhuma mulher: todas as outras mulheres, tão necessárias para ganhar dinheiro e tão indesejáveis, intrusas e ameaçadoras.
 Na realidade, Martha e Ray complementam-se, ela oscilando entre a loucura do amor e a frieza do crime e da morte, ele frio no amor fingido às vítimas (nem sempre: a idade e a beleza constituem factores relevantes) e emocional no crime e na morte. Porém, a violência excita sexualmente Ray; após o crime, é sempre ele a afirmar que quer fazer amor, ele que fica sempre em segundo plano quando se trata de matar e que é incapaz de liderar o crime; fazer amor permite-lhe recuperar o controlo, a virilidade, o poder que Martha não hesita em assumir. Personagens complexas, Martha e Ray vivem numa fronteira ténue: ela, integrada na sociedade (enfermeira num hospital), mas rejeitada devido à gordura do seu corpo, vai encontrar um homem, o amor da sua vida, rejeitado pela sociedade (porque criminoso), porém aceite devido à beleza e masculinidade do seu corpo. Opostos fisicamente, quando filmados na cama, tornam-se semelhantes, harmoniosos, como se os corpos se tivessem fundido num só. A câmara, seguríssima, mostra, assim, a história de amor de Martha e Ray,– pois é disso que se trata, mais do que a história dos homicídios que fica no seu lastro – um amour fou filmado com uma assinalável economia narrativa (com prodigiosas elipses), num estilo visual próximo do documentário (fotografia a preto e branco, luz natural, grão), com magníficos planos sequência.
À medida que a relação se consolida (e as mortes se sucedem), a violência torna-se cada vez mais presente, mostrada friamente pela câmara. A excepção vem, curiosamente, com as duas últimas vítimas (mãe e filha): após se centrar nos olhos aterrados da mãe, a câmara desvia-se, sendo a sua morte apenas ouvida - e o terror do espectador não é menor por isso; a criança é levada para a cave, uma porta que se abre e que se fecha, o pudor da câmara impedindo-a de seguir vítima e assassina.
Ao tomar conhecimento que Ray a atraiçoa, Martha decide-se: ele será apenas seu. E o belíssimo plano final mostra-nos que Martha alcança, por fim, a serenidade: Ray escreve-lhe da prisão: ela é a única mulher que verdadeiramente amou.


The Honeymoon Killers, Leonard Kastle, EUA, 1970
(Texto publicado no Argumento, nº 145)

Rihanna



Ground Zero



Maus Fígados


Glamour é uma palavra inglesa. Pronuncia-se /ˈɡlamə/. 



domingo, 27 de novembro de 2016

Gelo

                                         
                                Linköping, Novembro 2016

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Maus Fígados

Os condutores com pila pequenina.
As condutoras que ainda não ultrapassaram a fase da inveja do pénis.

K. Kavafis

September, 1903



At least let me now deceive myself with illusions
so as not to feel my empty life.

And yet I came so close so many times.
And yet how paralyzed I was, how cowardly;
why did I keep my lips sealed
while my empty life wept inside me,
my desires wore robes of mourning?

To have been so close so many times
to those sensual eyes, those lips,
to that body I dreamed of, loved.

To have been so close so many times.




 
Kavafis por David Hockney
    

Dirty Words

Empreendedorismo