sexta-feira, 23 de março de 2018

António Franco Alexandre

Já Estou a Ficar Velho


Já estou a ficar velho, ainda que tenha 
esta figura fixa sem idade, 
e me mantenha em forma o aparelho 
a que todos aqui somos sujeitos: 
a correria cega, a suspensão elástica, 
o salto em trave e trampolim de folhas, 
e outras altas artes de ginástica. 
Mas eu bem sei sentir além da aparência, 
e já me aconteceu, ao visitar o canto 
onde o mundo se acaba em chão de areia, 
ali ver o meu fim anunciado. 
Quando em tranquilo pouso assim medito, 
peso, e calculo tudo aquilo 
que não fiz, e não tive, e não alcanço 
com o rosto extravagante que me deram, 
já tudo bem pensado considero 
se não devo encontrar algum consolo 
na ciência que conduz o feiticeiro, 
e acreditar também, como me diz, 
que é, esta vida, emaranhada teia 
de mal fiado, mal dobado fio, 
e a morte tão somente um singular casulo 
de onde sairei transfigurado. 
Mas não sei de que valha imaginar 
um outro ser incólume e perfeito 
que da minha substância seja feito 
e tome, noutro mundo, o meu lugar; 
se me não lembra, como serei eu? 
Se for quem sou, ainda que mude a capa, 
há-de voltar aqui, onde hoje estou, 
viver o mesmo instante, e ver 
escapar-lhe das mãos o que me escapa; 
veloz embora, e exímio no salto, 
o que hoje perco, há-de então perdê-lo, 
e faltar-lhe outra vez o que me falta. 



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