domingo, 17 de novembro de 2019

domingo, 10 de novembro de 2019

Joaquim Manuel Magalhães

Acendimento

Seria bom sentir no quarto qualquer música
enquanto nos banham os perfis ateados
pelo aroma da tília, sem voz, em abandono.
A entrada por detrás das ruas principais
onde a morrinha parece que nem molha
e se chega perdido onde se vai.
Não, não é só um beijo que te quero dar.

Quantas vezes nesta hora de desvalimento 
vejo orion e as plêiades devagar no céu de inverno. 
Mas hoje 
com a calma inesperada de chuvas que não cessam 
acordo já depois. Caí numa hibernação que não norteia 
o desequilíbrio do sentimento. 

Espelhos sem paz tocam-nos no rosto. 
Na cega mancha de roupagem aconchego 
cada intempérie com sua mentira 
e depois sigo pela torrente, pelo enredo 
dos outeiros, cada espelho continua 
a caução pacificadora do engano. 
É isso que te levo, isso que me dás 
quando dizes, já sem o dizeres, eu amo-te. 

Pela berma da humidade cerrada 
um risco de mercúrio trespassa. 
Na gravilha passos que não há 
esmagam a música que ninguém escuta. 
Sabiam de cor tudo o que falhava, 
a insónia repentina, o entorpecimento. 

Ouve a espessura dos nervos, a sua câmara 
de conchas escavadas, a roseira azul do vime, 
pastos químicos que transformam 
o gradeamento acolhedor detrás do cérebro 
na fauce lacerada 
por onde o alibi imóvel parece fugir. 

Ao lado cantam os arpões. 
Eu passo com as mãos no seu cabelo. 
E o passado é um tempo que não passa 
em cada uma das dores que me pertence 
e me roubaram. 

Aquele que tem fome desconhece 
o alimento, pede apenas folhas, 
a farinha de um vestuário com uso 
e desmedido. 
Mas o que sempre comeu 
não sabe os caminhos que sangram 
e um dia a morte só lhe trará terror. 

Acordei cansado com os sonhos. 
O rosto que foi amado e se perdeu 
cintilava na roldana de corrente cega, 
a floresta em carvão acorrentava 
o pavor agrícola da pobreza, 
e dentro do sonho um sonho mais disforme 
mãos que sabiam sempre agarrar tudo 
o que não fosse qualquer outra mão. 

Sorria para o asfalto. Com o casaco 
desabotoado e o embrulho em cima da carrinha. 
As nuvens corriam pelo chão de aguaceiro. 
Findavam para si minúsculas assombrações. 
Correu a mão sobre a testa, ergueu 
o cabelo que fervia. 
Vi-o inclinado sobre nada, 
o pó fazia goma nos seus pés, 
estava eu defrontado com um vulto 
entregue à felicidade. 

Quando me viu levou o embrulho 
para o banco de trás e trancou as portas. 
Tinha a cara azul, os olhos de vinho antigo, 
fez-me um sinal desconhecido 
antes de reabrir a porta e me fechar 
na cidade inteira onde já não existia. 

Um fato de flanela cai muito bem 
numa tez esguia, batida pela neblina. 
Cortei-lhe as calças com a lâmina pequena 
e guardei a maior para a suavidade tardia 
junto do empedrado 
onde num clamor sem verdade 
o morto caminho de volta diz 
tristes de todas as coisas. 

Os braços por cima do seu tronco 
a lua nova as constelações o ruído da terra 
um vivo círculo mortal em seu redor. 

(Alta Noite em Alta Fraga, 2001)



Maus Fígados

O Presidente da República foi ver o local onde um sem-abrigo encontrou um recém-nascido. Não só visitou o local, como falou com o dito sem-abrigo. Com um batalhão de jornalistas a testemunharem.
Desconheço se foi visitar o recém-nascido.


sábado, 9 de novembro de 2019

Ka Baird









Por norma, o som da flauta é-me irritante, mas Ka Baird é irresistível no tratamento que faz desse instrumento. E há muito mais.


Respires (2019)

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Sword of Doom














A luta com os outros, a luta consigo próprio.


Sword of Doom (Kihachi Okamoto, 1966)