domingo, 3 de setembro de 2017

Mário Cesariny


Rua da Academia das Ciências
Procurei os teus olhos quis achar
nos teus olhos a luz que nos salvasse
mas tu não tinhas olhos tinhas plateias
no Liz, no S.Luiz e no Terrasse
Busquei teu coração, não desisti à primeira,
teu seio arfava arfava docemente
por força que por baixo que por dentro
tinhas um coração terno como gatinhos
mas afinal não tinhas coração tinhas um saco
com Jean-Paul Sartre e rendas a cinquenta o metro
De forma que o entrar nas tuas pernas
foi como entrar num Tribunal de Contas:
não tinhas sexo, tinhas um juiz de paz,
arroz, licores, outro noivo, e gritinhos
O Raul Leal era
O Raul Leal era
O único verdadeiro doido do "Orpheu".
Ninguém lhe invejasse aquela luxúria de fera?
Invejava-a eu.
Três fortunas gastou, outras três deu
Ao que da vida não se espera
E à que na morte recebeu.
O Raul Leal era
O único não-heterónimo meu.
Eu nos Jerónimos ele na vala comum
Que lhe vestiu o nome e o disfarce
(Dizem que está em Benfica) ambos somos um
Dos extremos do mal a continuar-se.
Não deixou versos? Deixei-os eu,
Infelizmente, a quem mos deu.
O Almada? O Santa-Ritta? O Amadeo?
Tretas da arte e da era. O Raul era
Orpheu.

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